“Trinta anos depois...”

É com admiração e muita emoção que refaço 30 anos de encontro e trabalho pela musicoterapia.

Corria o ano de 1981 e o Congresso Mundial de Musicoterapia seria realizado em julho, em Porto Rico. Mas, quis a sorte que eu decidisse passar antes por N. York, onde eu tinha já um encontro agendando com Barbara Hesser, que coordenava os cursos de musicoterapia da Universidade de N. York (NYU). No entanto, no dia desse encontro fui informada que Barbara estava em férias e que eu seria recebida pelo diretor do Department of Music and Performing Arts Professions quem, no final desse encontro me informou que em julho do ano seguinte seria realizado um Encontro Internacional de Musicoterapia, naquela universidade.

Em abril de 1982 fui surpreendida por um convite dessa universidade para participar do “International Symposium on Music Therapy: Music in the Life of the Man”. Assim, em julho desse ano parti para N. York, levando comigo a curiosidade, a esperança e a vontade de aprender de quem começava uma carreira. Por outro lado, mostrar um pouco da musicoterapia brasileira. Aí estavam os/as grandes personagens do cenário da musicoterapia mundial, que ainda hoje brilham nos palcos onde são realizados os principais eventos da área, bem como os/as que despontavam como as estrelas de hoje! Durante uma semana nos reunimos na New York University, 29 pessoas[1] (alguns não mais entre nós), não só musicoterapeutas, mas também, musicólogos, um neurologista, um filósofo e um pianista, liderados por Barbara Hesser, a quem devo esse importante contato com os musicoterapeutas de diferentes países. Nessa semana, trabalhávamos durante o dia inteiro, divididos em grupos, com intervalos musicais no meio da manhã e da tarde, todos hospedados no hotel da universidade, almoçando e jantando juntos, e assistindo a concertos juntos. À noite nos cabia escrever as impressões do trabalho do dia e as sugestões para o dia seguinte, e o dia começava e terminava com uma reunião geral de todo o grupo.

E, dentre os participantes, lá estava Carolyn Kenny, uma presença suave, com roupas bordadas em cores vivas e desenhos que sugeriam vestimentas típicas dos aborígenes do Canadá, e com a calma de sempre, sua marca registrada.

Em 1996, in the 8th World Congress of Music Therapy, realizado em Hamburgo, assistimos sua palestra sobre “Cultural influence in music therapy education”. Saímos todos mobilizados com as suas ideias e, a partir daí, a Diretora do Conservatório de Música do Rio de Janeiro, a Profa. Cecília Conde, criadora do primeiro curso de Bacharelado de Musicoterapia no Brasil (1972), repetia sempre que queria Carolyn Kenny no Rio de Janeiro.

Mas, novo encontro nos proporcionou um momento importante e mais uma vez, emocionante: in the 9th World Congress of Music Therapy, que teve lugar em Washington, em 1999. Nessa ocasião, Carolyn me convidou para uma reunião onde seria discutida a criação de um jornal virtual de musicoterapia, depois denominado Voices, que hoje utilizo para celebrar esse encontro de 30 anos! Brynjulf Stige e outros Musicoterapeutas noruegueses, Carolyn e musicoterapeutas de diversos países do mundo se organizaram, e aqui estamos, há 11 anos!

Mas, voltando a 1982, muitos foram os musicoterapeutas presentes naquele Symposium que foram convidados para trazerem seus ensinamentos para vários dos muitos cursos de musicoterapia existentes no Brasil: Kenneth Bruscia, Even Ruud, Barbara Hesser, Edith Lecourt, Clive Robbins e Barbara Wheeler, e outros aqui se apresentaram em congressos como Ruth Bright e David Borrows.

No entanto, só em setembro deste ano conseguimos trazer Carolyn ao Rio de Janeiro, que chegou suavemente, com a sua simplicidade costumeira e, pouco a pouco, foi transmitindo seus preciosos conhecimentos e filosofia de trabalho, cativando a todos nós, que tivemos o prazer de estar presentes nesse momento onde a cultura aborígene se tornou o centro das atenções. Vimos Carolyn se mostrando como exemplo de alguém que não se distancia de suas raízes. Mais do que isto, ouvimos e sentimos Carolyn dizer e transmitir a importância do musicoterapeuta estar inteiro na sua prática – incluindo e respeitando também a sua cultura.

Mas, não quero falar sozinha e, sim, utilizar as vozes de outros musicoterapeutas brasileiros e, em coro, fazer minhas as palavras deles, que assim se expressam sobre essa presença marcante e forte:

Carolyn nos passou que na formação e prática clínica temos que aprender técnicas e métodos mas não esquecer quem somos e quem são nossos pacientes, tornando o espaço terapêutico mais profundo. Ela reforça que musicoterapia é um espaço de amor e criatividade. E também aponta o conceito de mutualidade, no qual paciente e terapeuta ocupam papeis equivalentes, sem hierarquias, uma vez que cada um traz algo para a relação terapêutica. Carolyn também enfatiza a importância de incorporarmos à prática clínica moderna as nossas raízes, os mitos presentes nas diversas culturas, uma vez que somos ligados à nossa ancestralidade.  E finalizo com o que entendi como ‘espaço musical’: é o espaço terapêutico onde ocorrem tensões e resoluções tanto musicais quanto pessoais”.
Vera Wrobel. Musicoterapeuta clínica. Rio de Janeiro.

Carolyn Kenny, nature and nurture:
“Enquanto terapeuta como vemos o outro?” Indaga Carolyn e responde: ”Nosso paciente/cliente, é uma forma de beleza”.
Os conceitos e ideias de Carolyn Kenny são transmitidos de forma singela e esta aparente simplicidade se sustenta em bases teóricas complexas e estruturadas. Desta forma emerge uma teoria, um olhar, uma maneira de pensar a clínica musicoterapêutica, que poderíamos dizer: orgânica, integral, ecológica e sã. Sanidade engendrada nas raízes da cultura, nas “artérias míticas” da música, tensões e resoluções, ”nascimento e renascimento”.
“Being born  in the music”! A música é uma história em si, “you are the music, we are the music”. "Field of play" como ela diz, é um grande rio fluindo, criando espaços de engajamento, de confiança, de cura.
“Music is a space of loving and creating” - Carolyn Kenny é a própria árvore, metáfora por ela utilizada, raízes, tronco, galhos, folhas, bases filosóficas, teóricas, práticas, ações e resultados.
Carolyn Kenny, que  tivemos o privilégio de ouvir e estar, nos agregou uma nova dimensão clínica e humana. HAIDA GWAII!!!!! - Martha Negreiros. Musicoterapeuta clínica.Rio de Janeiro.

  

Carolyn olha nos olhos, e estabelece uma relação de vínculo aí, no olhar... Apresenta-se como membro das populações tradicionais. Vem da terra e nos fertiliza a todos. Depois toca ... toca piano, toca a alma. Toca as águas,  tocas os rituais. Produz  e transforma a emoção, materializa-se  o prazer. Toca o fogo. Então Carolyn ensina como quem pensa há tempos a nossa profissão. Toca o ar. E olha nos olhos, como se nos conhecesse há muito tempo...Falo dela no presente, onde ela se encontra. - Marly Chagas. Musicoterapeuta Clínica. Rio de Janeiro.

Mas, não posso deixar de ouvir as vozes de representantes dos muitos estudantes de musicoterapia que se juntaram a nós, musicoterapeutas já experientes, falando ‘do lugar’ de todos aqueles que representam o futuro da musicoterapia em nosso país, estudantes do primeiro ano do Bacharelado em Musicoterapia do Conservatório Brasileiro de Música (Centro Universitário):

Carolyn vê a presença do musicoterapeuta como um ser individual, com suas pluralidades. - Victor Strattner. Aluno do 1o ano.

Carolyn tem profunda sensibilidade e densas águas culturais que regam as árvores que são os seres humanos. - Thalyta Azevedo. Aluna do 1o ano.

Com essas vozes, celebro a visita de Carolyn Kenny ao Rio de Janeiro e não só o nosso encontro em 1982, mas o de todos aqueles que se juntaram a Barbara Hesser, para pensar nos futuros rumos da musicoterapia mundial.

Obrigada a todos e as minhas homenagens aos que já não estão mais entre nós!

Notes


[1]Barbara Hesser, from New York University, Ruth Bright (Australia), Alfred Schmölz (Austria), Fran Herman and Susan Munro (Canada), Hans Siggaard Jensen (Denmark), Sybil Beresford-Peirse and Rachel Verney (Graint-Bretain), Edith Lecourt (France), ChavaSekeles (Israel), Even Ruud (Norway), Alf Gabielson (Sweden), Madeleine Muller (Switzerland), Carol Bitcon, Helen Bonny, Kenneth Bruscia, David Borrows, Charles Eagle, John Gilbert, Lorin Hollander, Carolyn Kenny, Clifford Madsen, Carol and Clive Robbins, Barbara Wheeler and Frederick Tims (USA), Merete Birkebaeck and Johannes Eschen (West Germany) and DarkoBreitenfeld (Yugoslavia).

How to cite this page

Barcellos, Lia Rejane Mendes (2012). “Trinta anos depois...”. Voices Resources. Retrieved January 08, 2015, from http://testvoices.uib.no/community/?q=fortnightly-columns/2012-trinta-anos-depois

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