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Musicoterapia Músico-centrada

Contribuições para o Presente e o Futuro da Musicoterapia1[1]

By André Brandalise

André Brandalise

Em 1985, Helen Bonny disse:

Os paradigmas cuidadosamente pesquisados pela ciência médica, diariamente praticados e aceitos pela nossa sociedade, não são verdadeiros per se mas a partir de várias explicações…assim como o aventureiro que procura por tesouros pelo mundo acaba por encontrá-lo em seu quintal, poderemos achar os diamantes que necessitamos em nossa casa.(Bonny apud Hesser, 1996, p. 14)

A musicoterapeuta norte-americana Barbara Hesser, em 1988, um ano antes do Segundo Simpósio Mundial de Musicoterapia (Nova York), acrescenta:

Agora nosso desafio é fortalecer nossa própria identidade como disciplina, distinta e singular. Devemos focar no desenvolvimento de uma fundamentação teórica própria utilizando a linguagem e as formas de pesquisa que sejam adequadas à nossa particular experiência da música como terapia. É hora de sintetizar e integrar tudo o que aprendemos com os outros em nosso próprio corpo de conhecimento. (Hesser apud Hesser, 1996, p. 13)

Na minha opinião, estas são afirmações muito sérias. Diria mais: posso "escutá-las" como significativos pedidos para que a nossa geração de musicoterapeutas se torne como aquele tipo de aventureiro que acredita que a Música contém seus próprios "diamantes". A geração de Bonny nos informa sobre alguns dos lugares onde podem ser encontrados. Paul Nordoff e Clive Robbins da mesma forma. O inspirado livro Healing Heritage (Clive Robbins e Carol Robbins), que é a versão editada de "Talks on Music", de Paul Nordoff (uma série de palestras ministradas em 1974), é um enorme exemplo de um local muito rico para nossa profissão…lotado de diamantes. É interessante olharmos para alguns números deste livro. Ele é organizado em 18 Explorações contendo 168 exemplos musicais que foram compostos por 19 compositores mundialmente reconhecidos (do séc. XVII ao séc. XX) citando 67 exemplos de seus trabalhos musicais com o objetivo de ilustrar o que Paul Nordoff propunha ao longo do curso intitulado Nordoff-Robbins PreliminaryTraining Course in Music Therapy (Curso de Treinamento Preliminar de Musicoterapia Nordoff-Robbins). Healing Heritage é somente um exemplo de um de nossos "garimpos de diamantes" e, diamantes definitivamente exigem esforços para serem encontrados, exigem boas ferramentas e lentes para serem achados.

No entanto, hoje sabemos que habitam nossa casa. E nossa casa não é outra que não a MUSICOTERAPIA. Como profissionais, apesar de nossas diferenças culturais, todos vivemos nessa casa. É nossa tarefa desenvolver conteúdos a nós apresentados pela geração de Nordoff e também descobrir outros não mencionados por ela. Por exemplo: quais seriam as lições da música de Schoenberg para a musicoterapia? E do minimalismo de Philip Glass? E dos diferentes padrões rítmicos (Olodum brasileiro e Timbalada) em um processo terapêutico? Não seria necessário que começássemos a pensar e a pesquisar mais profundamente sobre o timbre em musicoterapia? Será que uma guitarra, que soa com pedal de efeito overdrive, faz uma pessoa perceber e sentir a harmonia de forma diferente? E a tecnologia, como pode ser utilizada em musicoterapia? Temos muito trabalho pela frente.

Em 2001, publiquei meu primeiro livro intitulado "Musicoterapia Músico-centrada"[2]. Através da publicação deste livro, dividi com a comunidade meu desejo de estar contribuindo com o desenvolvimento da "nossa casa". Descrevi algumas propostas téoricas e filosóficas que objetivaram pensar a Musicoterapia Músico-centrada como um Modelo de Musicoterapia. A idéia foi bem aceita o que me fez propor, no ano de 2003, a 1a. Jornada Brasileira sobre Musicoterapia Músico-centrada[3] com palestras ministradas por colegas musicoterapeutas músico-centrados brasileiros. Este evento resultou na segunda publicação músico-centrada brasileira, que recebeu o mesmo nome do evento. Também no ano de 2003, meu estimado colega musicoterapeuta Gregório Pereira de Queiroz publicou o livro chamado "Aspectos da Musicalidade e da Música de Paul Nordoff e suas Implicações na Prática Clínica Musicoterapêutica". Por fim, em 2008, a ONG Qairoz e o Centro Gaúcho de Musicoterapia (CGM) organizaram a 2a. Jornada Brasileira sobre MusicoterapiaMúsico-centrada contando com cartas de apresentação de nossos caros colegas Dr. Kenneth Bruscia e Dr. Kenneth Aigen, dos Estados Unidos, e do musicoterapeuta Edgar Blanco, da Colômbia.

A 2a. Jornada sobre Musicoterapia Músico-centrada ocorreu na cidade de São Paulo (Brasil), nos dia 18 e 19 de outubro de 2008. O presidente do evento, o musicoterapeuta Gregório Queiroz, definiu o título do evento: "O Músico-centramento em ação". Este título me fez refletir: ser um musicoterapeuta músico-centrado implica ser capaz de "ativar músico-centramento". Isto implica ser um profissional que, terapeuticamente relacionado com o outro (paciente), é capaz de ativar o poder das notas facilitando a busca de alguém por saúde através dos encontros na e com a música. Ser um musicoterapeuta músico-centrado implica ser capaz de ter sua musicalidade clínica preparada para escutar e realizar as intervenções necessárias as quais, alguém submetido ao processo musicoterápico, demanda.

Ser capaz de colocar Musicoterapia músico-centrada em ação requer que pensemos a prática da musicoterapia no mundo e que pensemos sobre "música"; seu uso clínico e suas consequências. Novamente, caminhos que já foram antecipados pela geração dos musicoterapeutas Clive Robbins, Paul Nordoff e Helen Bonny.

A Musicoterapia Músico-centrada, creio eu, é um dos possíveis desenvolvimentos de seus legados, e, no Brasil, é apresentada atualmente, em síntese, possuindo:

Zuckerkandl diz que "sequência de notas são movimentos não baseados em relação à ordem de altura mas baseados em relação à ordem de forças nas notas" (1956, p. 95).

Paul Nordoff, quando cita a sonata para piano de Mozart (K. 545) diz: "há uma força em cada uma destas notas" (apud Robbins & Robbins, 1998, p. 7). Nós, como músicos e musicoterapeutas, lidamos com notas organizadas em um contexto: UMA ESCALA. Desta forma, podemos pensar na escala musical como o CONTEXTO necessário para o surgimento do potencial da nota. Este potencial da nota Zuckerkandl chamou de qualidade dinâmica e, para ele, "a qualidade dinâmica de uma nota é a afirmação de sua incompletude e de seu desejo por completar-se" (1956, p. 136). As notas possuem "desejo".

Zuckerkandl define HOMO MUSICUS como "o ser que necessita de música para satisfazer-se plenamente" (1973, p. 2). De acordo com o filósofo, "a música repousa em uma qualidade inerente à existência: a MUSICALIDADE" (1973, p. 351) .

Musicalidade não é um dom, mas um dos atributos humanos básicos; a natureza do Homem o predispõem à música. Em música, o Homem não dá expressão a algo (seus sentimentos, por exemplo) nem realiza construção de estruturas formais: ele inventa-se. Em música, a lei pela qual se reconhece vivo é experenciada em sua forma pura (1973, p. 350).

Como foi mencionado no início do artigo, podemos perceber como um legado a nós deixado por musicoterapeutas como Helen Bonny, Clive Robbins e Paul Nordoff, está ganhando forma e tornando-se um movimento em diferentes partes do mundo através da ação de vários musicoterapeutas.

Eu nos vejo pensando, realizando e praticando MUSICOTERAPIAS MÚSICO-CENTRADAS (no plural – uma vez que trata-se de um movimento sendo construído por diferentes profisionais no mundo). Há diferenças e as percebo como fundamentais para o crescimento do trabalho. No entanto, há semelhanças. E o que encontramos em comum entre os musicoterapeutas músico-centrados pode ser objetivamente compreendido através de uma pensamento de Aigen: de acordo com ele "(...) ser músico-centrado significa colocar idéias sobre música no núcleo da teoria da Musicoterapia." (2005, p. 31) Isto significa que é hora de investigarmos profundamente aspectos do ser humano conectados com musicalidade e associados com a "vida" das notas, dos intervalos. Nós, como músico terapeutas, precisamos estar pesquisando e melhor compreendendo o uso clínico dos intervalos, das inversões, dos diferentes acordes e harmonias e dos estilos musicais. Assim estaremos fortemente engajados com as demandas a nós solicitadas por nossas colegas Barbara Hesser e Helen Bonny: desenvolver nossa própria fundamentação teórica.

[1]Há outros profissionais musicoterapeutas, no mundo, que refletem e contribuem com o desenvolvimento da Musicoterapia Músico-centrada. Os pensadores citados neste artigo foram escolhidos por fazerem ressonância com o tema que pretendo abordar.

[2]Editora Apontamentos (São Paulo, Brasil).

[3]A 1a. Jornada Brasileira sobre Musicoterapia Músico-centrada ocorreu na cidade de Porto Alegre (sul do Brasil), em 2003.

[4]Período: meados da década de 60.

[5]Período: final dos anos 70.

[6]O exemplo menciona o livro Music at the Edge: the Music Therapy Experiences of a Musician with AIDS: Routledge, London e New York (ambos de 1996).

[7]A intenção é mencionar casos clínicos bem sucedidos que pertencem à literatura Nordoff-Robbins (que é uma literatura músico-centrada). São reconhecidos pela comun idade da Musicoterapia. O leitor poderá encontrar maiores detalhes, acerca dos casos clínicos citados, nos livros: Creative Music Therapy (Paul Nordoff e Clive Robbins, 1977) e Paths of Development in Nordoff-Robbins Music Therapy (Kenneth Aigen, 1998).

References

Aigen, Kenneth (2005). Music-centered Music Therapy. Gilsum, NH: Barcelona Publishers.

Brandalise, André (2001). Musicoterapia Músico-centrada. São Paulo: Apontamentos.

Hesser, Barbara (1996). An Evolving Theory for Music Therapy. New York: unpublished manuscript.

Queiroz, Gregório José Pereira de (2003). Aspectos da Musicalidade e da Música de Paul Nordoff e suas Implicações na Prática Clínica Musicoterapêutica. São Paulo: Apontamentos.

Robbins, Clive; Robbins, Carol (1998). Healing Heritage: Paul Nordoff Exploring the Tonal Language of Music. Gilsum, NH: Barcelona Publishers.

Zuckerkandl, Victor (1956). Sound and Symbol: Music and the external world. Princeton, NJ: Princeton University Press.

Zuckerkandl, Victor (1973). Sound and Symbol. Vol. 2: Man the Musician. Princeton, NJ: Princeton University Press.